Machu Picchu
A descoberta da "Cidade Perdida dos Incas" 

Texto de Dalton Delfini Maziero

Pode uma cidade das proporções de Machu Picchu, ficar "perdida" por tantos séculos? Muitos tem falado dos mistérios que estas ruínas custam a revelar, mas poucos comentam hoje sobre os detalhes de sua inusitada e quase casual descoberta, feita pelo norte americano Hiram Bingham em 1911.


Como se "perde" uma cidade? Machu Picchu não esteve propriamente "perdida", como falam quase todos que se referem a ela. O termo - bastante impróprio - trás contudo, um ar de mistério e romantismo ao local. Certo seria chamá-la de "abandonada". E assim realmente esteve durante muitos anos. Abandonada sim, levando-se em conta que após a queda dos incas, jamais voltou a ser ocupada enquanto cidade, como em seu glorioso passado, mas ao que parece, nunca completamente esquecida.
A descoberta de Machu Picchu é quase tão fascinante quanto o estudo de suas construções, revelando-nos um lado repleto de surpresas e pouco conhecido dos milhares de visitantes que para lá se dirigem todos os anos. Sua história, para o mundo moderno, tem início durante o século XIX. Em 1894, Agustín Lizárraga, morador de Cusco, conduz Luis Béjar Ugarte até os escombros da antiga Machu Picchu, refazendo o trajeto anos mais tarde com outros dois "clientes", Enrique Palma e Gabino Sánchez. O objetivo dessas viagens foi o de buscar tesouros perdidos. Lizárraga descreve posteriormente que em sua incursão, havia encontrado um camponês arrendatário de terras, que ali vivia há cerca de 8 anos. Portanto, já naquela época, algumas pessoas sabiam da existência das ruínas "perdidas", sem contudo terem idéia de sua importância arqueológica.


Mas a descoberta oficial viria somente alguns anos mais tarde, sob o comando do arqueólogo norte americano Hiram Bingham (1875 -1956). Nascido no Hawai, dedicou-se ao estudo da história e a carreira de professor. Além de historiador, era aviador, alpinista, explorador e político, chegando a ocupar o senado e governo do Estado de Connecticut, nos EUA. Em sua primeira viagem ao Peru, não tinha qualquer objetivo em descobrir ruínas incaicas. Estava interessado em estudar a rota do libertador Simón Bolivar, refazendo - montado em mulas - o antigo trajeto do comércio espanhol entre Buenos Aires e Lima. Seu desvio dos objetivos iniciais ocorreu em 1909, quando encontrava-se em Cusco. Nessa ocasião, o prefeito da província de Apurimac, J.J. Núñez, impressionado com o conhecimento de Bingham, convidou-o a visitar as antigas ruínas de Choqekirau (conhecida como o "Berço de Ouro"), chamando-as de "última morada dos incas". Na verdade, Núñez pretendia unicamente verificar a existência de tesouros que estivessem soterrados no local. A viagem foi longa e difícil, mas suficiente para despertar o interesse do americano no passado incaico. Parece certo que durante esta primeira experiência, Bingham entrou em contato com boatos e depoimentos de camponeses, que falaram-lhe sobre ruínas perdidas em meio às montanhas, motivando-o a retornar aos EUA em busca de financiamento para uma grande expedição.
Com o apoio da Universidade de Yale e da National Geographic Society, Bingham retorna a Lima em junho de 1911, onde permanece várias semanas estudando antigas crônicas coloniais. Em especial, uma lhe chama a atenção: "Cronica Moralizada de la Orden de San Agustin", escrita pelo padre Antonio de La Calancha em 1630. Nela, encontrou nas citações das antigas capitais incaicas de Vilcabamba e Vitcus o motivo que precisava para adentrar a Cordilheira. Portanto, ao montar sua expedição, Bingham buscava em especial estas duas cidades e não Machu Picchu, como tantas pessoas acreditam até hoje. De volta a Cusco, traça seu roteiro através do Vale do Urubamba e parte, com o auxílio de um italiano radicado - César Lomellini - para sua histórica jornada.


Além de Lomellini, Bingham contou com o apoio de outros participantes americanos (Isaiah Bowman, geólogo/topógrafo; William G. Erving, cirurgião; Kai Hendrikson, topógrafo; Harry W. Foote, naturalista; H. L. Tucker, engenheiro e Paul B. Lanius, assistente) e vários carregadores. O grupo seguiu através do majestoso Vale do Urubamba, sempre acompanhado do caudaloso e barrento rio de mesmo nome. No caminho, conheceu várias ruínas menores como Salapuncu, Llajtapata, Q'ente, Torontoy, além da grande Ollantaytambo. Para desespero da equipe, que já se impacientava com as dificuldades do trajeto, a cada nova ruína visitada, eram obrigados a ouvir de Bingham que não era aquilo o que procurava, citando de cabeça os detalhes encontrados nas crônicas antigas. Ele buscava uma capital, local que deveria abrigar grandes edifícios, com templos, sepulturas e patamares. Nenhuma das ruínas vistas até então eram dignas das descrições de religiosos e soldados espanhóis na época da conquista.
Por onde passava, Bingham perguntava aos camponeses sobre grupos arqueológicos. Em uma dessas paradas, na localidade de Mandorpampa, interrogou através de um intérprete, o camponês quêchua conhecido como Melchor Artega, que de imediato apontou para o alto da montanha dizendo: "Machupijchu", traduzido como "Topo Antigo".
Melchor não compreendia qual o interesse dos estrangeiros naquele amontoado de pedra, e relutou em levá-los ao local, resistência que logo esmoreceu frente ao pagamento de "um Sol", o equivalente a três salários básicos do país, na época. A subida, na manhã chuvosa e fria do dia 24 de junho de 1911, foi desgastante e perigosa. A travessia por uma ponte que não passava de alguns troncos deitados sobre o caudaloso Urubamba, foi somente uma amostra das dificuldades da região. Qualquer escorregão seria fatal. Como se não bastasse, tiveram que se embrenhar num mato espesso, correndo risco de serem mordidos a qualquer momento pela temida "serpente de ouro", também conhecida como "chicotillo", uma cobra venenosa capaz de grandes saltos. Para surpresa de Bingham, a cansativa subida acabou com o encontro de outros camponeses já na entrada das ruínas, que os receberam com cabaças cheias de água. As duas famílias que lá se encontravam, eram chefiadas por Toribio Richarte e Anacleto Alvarez, que plantavam batatas, abóboras e legumes nos antigos patamares de Machu Picchu, com o intuito de fugirem dos impostos próximos às cidades. A desilusão do arqueólogo era evidente. Ao invés de templos, havia encontrado duas cholpanas miseráveis.
Após um breve descanso, Bingham foi acompanhado por um garoto índio que o levou por entre árvores, muita vegetação e pedras soltas, até a encosta da montanha, de onde revelou-se uma imagem irreal. Como por encanto, enormes patamares de plantio se abriram aos seus olhos, e uma centena de estruturas arquitetônicas deixavam-se ver por entre emaranhados de arbustos e árvores. O garoto - cujo nome nunca é citado, é procurado por outras expedições sem que jamais seja encontrado novamente - leva-o até a Tumba Real, o Templo das Três Janelas e o Templo Principal. Desta forma, Machu Picchu deixa seu abandono secular, para revelar-se ao mundo moderno.
Ao contrário do que muitos possam pensar, Machu Picchu era bem diferente do que se vê hoje. Bingham encontrou uma cidade em ruínas, um emaranhado de pedras desconexas, arbustos, raízes e amontoados disformes. Contudo, naquela visão caótica, estava uma das mais notáveis cidades incaicas, que levaria anos para ser reconstruída. Apesar da fantástica descoberta, Bingham descobriria, pouco tempo depois, que não era aquilo que procurava. Os primeiros estudos das ruínas mostraram a ele que Machu Picchu não era Vilcabamba la Vieja, a última morada dos incas. Um feliz engano - devemos confessar - que acabou por revelar ao mundo, um dos melhores exemplos da urbanística incaica.

“Dalton Delfini Maziero é historiador, maquetista, expedicionário e idealizador do site Arqueologiamericana. Dedica-se atualmente, à construção de maquetes arqueológicas e instalação de espaços culturais”