El Infiernito
Observatório astronômico da cultura Muisca

Texto de Dalton Delfini Maziero

À 7 km do povoado colombiano de Vila de Leyva, encontra-se um dos mais intrigantes centros astronômicos pré-colombianos, construído pela cultura Muisca, que habitou a região com maior intensidade entre 600 e 1536 dC. Qual seria o verdadeiro significado em “El Infiernito”, do alinhamento de suas rochas com os astros celestes? Seriam os dolmens fálicos, uma tentativa de alteração do equilíbrio cósmico?


Caminhar pelo povoado de Vila de Leyva é como retornar ao passado. A vida ocorre tranqüila e cordial em meio às suas vielas e casarões coloniais. Fundada em 1572 por Hernán Suárez de Villalobos, Vila de Leyva guarda um patrimônio histórico, paleontológico e arqueológico como em poucos lugares existem. Seu rico passado paleontológico deve-se ao fato de ter sido – há 120 milhões de anos – fundo de oceano, antes da elevação da Cordilheira dos Andes. Uma grande e rica camada sedimentar ficou assim depositada, nos vales próximos ao povoado. Em toda a região, um grande
número de fósseis estão sendo localizados, entre os quais, esqueletos completos de Cronossauros. Muito deste patrimônio local, pode ser visitado a pé. Saindo da Plaza Mayor de Vila de Leyva, é possível atingir “El Infiernito” seguindo pela Carrera 10 sentido oeste. O observatório Muisca encontra-se à aproximadamente 7 Km (1:40 hora de caminhada).

Num passado mais recente – 600 dC – toda a Cordilheira Oriental estava ocupada por culturas indígenas do tronco lingüístico chibcha. A maioria provenientes da América Central. Quando os europeus chegaram à Colômbia, encontravam vários grupos – entre eles os Muiscas, construtores de El Infiernito – partilhando de costumes e crenças semelhantes, sem formarem, contudo, uma unidade política. Estas tradições comuns contribuíram para a produção de adornos em metal (em especial o ouro), além de um intercâmbio de produtos naturais, como o sal (proveniente da região litorânea ocupada pelos Taironas), cerâmica, folhas de coca, algodão (com o qual teciam gorros e mantas) e esmeraldas.

As ruínas do centro astronômico Muisca revelam a presença de profundos preceitos religiosos. Múmias e oferendas – constituídos por figuras de homens e animais – foram encontrados no local. Além destes, sabemos também que era costume os antigos povos colombianos inalarem alucinógenos como forma de se comunicarem com criaturas míticas, na esperança talvez de benefícios climáticos. Partilhavam em suma, de uma mesma visão cosmológica. Esta visão do cosmos é para nós, revelada nos artefatos encontrados pelos arqueólogos e huaqueros (caçadores

de tesouros): muitas das peças de ouro hoje expostas nos museus colombianos, são claras representações de animais antropormofizados. Homens-Jaguar, Homens-Morcego, Homens-Pássaros, entre outros, revelam a necessidade dos indígenas no totenismo: a “transformação” humana em animal, adquirindo seus poderes através de rituais. Os sacerdotes e caciques locais manifestavam essa força e poder através do uso de ornamentos específicos – feitos em ouro – como as narigueiras, peitorais e utensílios de orelha que lembravam características físicas de animais. Esses adornos lhes conferiam poder religioso e autoridade local.

Por volta de 1500, essas sociedades pré-colombianas eram essencialmente agrícolas e, por este motivo, voltavam seus olhos ao céu, na esperança de calcularem as melhores épocas para plantio e colheita. As previsões oriundas dessas observações eram acompanhadas de rituais, muitas vezes envolvendo sacrifícios humanos, cujo sangue sagrado era recolhido em vasilhas. Além do sangue, foram encontrados outros tipos de oferendas: comida, cristais, cerâmica, ostras, alucinógenos e conchas. Arqueólogos localizaram também alguns corpos em covas profundas, envoltos em
peles e mantas. Sabemos que esta prática de mumificação ultrapassou a época da conquista espanhola. Algumas múmias datam de 1800 dC., revelando uma prática que perdurou mesmo com a chegada e permanência da religião católica.
Como outras sociedades que ocuparam a América do Sul, a Muisca nunca foi democrática. Somente homens de determinadas linhagens chegavam ao poder. Os grandes senhores (caciques) e os sacerdotes (jeques) eram os mais significativos. Dominavam as práticas religiosas e as ligações sobrenaturais com seres míticos. Eram iniciados desde jovens, e por isso adquiriam grandes poderes em relação às demais camadas sociais. Como eram personagens quase inatingíveis, dependiam de mandatários e pregoneros (mensageiros), que levavam aos povoados a lembrança da existência do cacique local, que cuidaria da segurança de todos em época de crise e guerras. Era prática comum um pregonero levar os ornamentos utilizados por seu cacique, como forma de legitimar o poder local.
Segundo as palavras de Eliécer Silva Celis, arqueólogo descobridor do observatório Muisca, a pedra foi o “idioma” desta cultura, que as empregaram para manter sua obra eterna. A escolha da rocha como elemento de expressão artística e ritualística foi comum a vários povos pré-colombianos, e utilizada por aqueles que já haviam atingido uma certa estabilidade em sua economia agrícola. A utilização da rocha, no caso estudado, atinge uma qualidade técnica que vai além da mera expressão da arte.
O sítio arqueológico aos poucos está sendo reconstruído com a ajuda da Universidad Pedagógica y Tecnológica de Colômbia e do ingresso cobrado dos turistas. Hoje, o espaço ganhou o nome de Parque Arqueológico de Monquirá. A reconstrução do local visa recuperar os danos causados pelas guerras inter-tribais; depredações em tempos da conquista espanhola e, a ação de huaqueros, caçadores de relíquias nos tempos modernos.
O monumento, com pedras alinhadas segundo pontos cardeais leste-oeste, é um exemplo surpreendente da astronomia primitiva americana, cuja antiguidade remonta ao 1º milênio aC. Eliécer acredita que, por meio da observação e dedução, os antigos astrônomos buscaram a relação entre as colunas de pedra e a posição dos planetas e estrelas. Muitas destas colunas são obvias representações do órgão sexual masculino, símbolo para os povos pré-colombianos, da fecundidade.
A sacralidade da sexualidade humana e a preocupação pela fecundidade dos campos aparecem revelados nesses colossais monólitos entalhados em pedra, detentores de valores espirituais e mágicos. Ao serem erigidos, convertem-se em manifestações simbólicas do sagrado. Transformam-se em objetos de culto religioso.
Para os Muiscas, o desaparecimento da sombra do Sol nas colunas fálicas foi um provável sinal de que o astro havia se antropomorfizado e que,
por meio delas, descido a Terra para fecundá-la. Este “matrimônio cósmico” ocorria regularmente em março e setembro, e foi objeto de grandes festividades religiosas, ordenadas pelo sacerdote local.
Não é fácil para nós, compreendermos todo o significado desta construção. Muito mais difícil, é entender os ritos e manifestações religiosas, e sua ligação com a vida desses povos. Muitas vezes, a mitologia regional nos fornece pistas sobre o grau de interferência do sagrado na vida desses antigos habitantes americanos: acreditavam que o Sol era dotado de uma força fecundante tão poderosa que, uma virgem nua exposta a seus raios, fica grávida imediatamente. De qualquer modo, é importante ver no centro astronômico Muisca de Vila de Leyva, uma entre muitas manifestações do gênero. Ele não é o único existente na América, e por este motivo, nos revela uma prática comum a vários povos. Uma prática há muito tempo esquecida.

“Dalton Delfini Maziero é historiador, maquetista, expedicionário e idealizador do site Arqueologiamericana. Dedica-se atualmente, à construção de maquetes arqueológicas e instalação de espaços culturais”